sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A Dor como instrumento de purificação religiosa na Idade Média e no Renascimento

Durante toda a Idade Média a civilização atravessou uma longa fase de adormecimento cultural, onde o conhecimento humano ligou-se essencialmente ao sentimento religioso, quando não, mágico e mítico.

Embora a era medieval seja um período histórico muito definido ( desde o fim do Império Romano até a queda de Constantinopla em 1453), o espírito medieval atravessou as épocas posteriores.

Nesta época a tortura e o sofrimento infringido ao corpo humano eram considerados instrumentos de purificação da alma. Algumas técnicas de torturas medievais, tais como empalamento, esfolamento, perfuração, despedaçamento, ingestão de água fervente, e evisceramento, dentre outras, tinham como objetivo prolongar indefinidamente a dor e agonia, marcando indelevelmente a alma do supliciado.

A purificação da alma exigia o sofrimento físico e também o da alma. Assim procedia a Igreja, na época poder mais temporal do que espiritual. E para mantê-lo,criou a Santa Inquisição, cujas atrocidades cometidas em nome da consagração da alma, até hoje são repudiadas como o mais negro período da história da religião.

O próprio destino, ou melhor a realidade histórica, contribuiu para que o período medieval fosse irremediavelmente doloroso para o homem.

Em meados do século XIV, a peste negra devastou a população europeia. Calcula-se que aproximadamente um terço dos europeus morreu nesta época, seja pela doença, seja pela fome.
A peste responsável pela epidemia do século XIV surge durante o cerco às colonias de Génova e Caffa, na Crimeia, atual Ucrânia, em 1347 pelos tártaros descendentes dos mongóis, na época auxiliados pelos venezianos. A doença matou tantos tártaros que foram obrigados a levantar o cêrco e retirar-se, não sem antes contaminar a cidade. Os habitantes, ceifados pela epidemia, tiveram que ser queimados em piras, já que não havia mão de obra suficiente para enterrá-los.
Constantinopla teria sido infectada na mesma época. Vários navios genoveses fugiram da peste, indo atracar nos portos de Messina, Génova, Marselha e Veneza, com os porões cheios dos cadáveres dos marinheiros e infestados de ratos.
A peste bubônica era causada pela bactéria Yersinia pestis, transmitida ao homem através das pulgas (Xenopsylla cheopis) dos ratos-pretos (Rattus rattus) ou outros roedores, que chegavam à Europa nos porões dos navios vindos do Oriente.

Bocaccio (1313- 1375) importante humanista florentino, autor de um número notável de obras, incluindo Decamerão, o poema alegórico Visão Amorosa (Amorosa visione) e De claris mulieribus, uma série de biografias de mulheres ilustres, descreveu assim os sintomas da peste: "Apareciam, no começo, tanto em homens como nas mulheres, ou na virilha ou nas axilas, algumas inchações. Algumas destas cresciam como maçãs, outras como um ovo; cresciam umas mais, outras menos; chamava-as o povo de bubões. Em seguida o aspecto da doença começou a alterar-se; começou a colocar manchas de cor negra ou lívidas nos enfermos. Tais manchas estavam nos braços, nas coxas e em outros lugares do corpo. Em algumas pessoas as manchas apareciam grandes e esparsas; em outras eram pequenas e abundantes. E, do mesmo modo como, a princípio, o bubão fora e ainda era indício inevitável de morte, também as manchas passaram a ser mortais".

As cidades medievais tinham condições higiênicas e sanitárias extremamente precárias, e assim, os ratos se espalharam facilmente. Após o contato inicial os enfermos tinham poucos dias de vida. Febre, mal-estar e bolhas de sangue e pus espalhavam-se pelo corpo, principalmente nas axilas e virilhas.

Este intenso sofrimento físico e espiritual, como ocorre sempre nas rtelações humanas, trouxe oportunidades para que os sobreviventes do povo, pequena nobreza e burguesia se aproveitassem da desdita, adquirindo ou aumentando sua riqueza, provavelmente pela usurpação dos bens dos falecidos,ou ainda por aumento dos salários, devido à diminuição da mão-de-obra e descida dos preços das terras e das rendas.

Também nessa época, como reação social e cultural à peste, as perseguições às minorias aumentaram drasticamente, e especialmente contra os judeus. O fanatismo religioso que se apossou das populações aterrorizadas em muito contribuiu para a acusação e perseguição ao povo hebreu. E com isso, determinando em meio às atrocidades físicas, imenso sofrimento moral.
Os judeus tornaram-se suspeitos quando, devido ao cumprimento rigoroso das leis talmúdicas de higiene e também pela maior competência dos médicos judeus, as suas vítimas foram menos numerosas que as das comunidades cristãs.
Os cristãos se amotinaram, facilmente incitados pelos cléricos locais, promovendo mais de 150 massacres. Dezenas de comunidades judaicas menores foram exterminadas, e essa perseguição promoveu sua emigração em massa para a Polónia e para a Rússia.
Embora não haja qualquer relação entre hanseníase e a peste bubônica, os leprosos também foram perseguidos, culpados como os judeus de disseminar a doença. E também inclementemente perseguidos.
A partir dessa concepção da enfermidade estar ligada à punição divina, vários movimentos religiosos surgiram do terror que alimentava o misticismo e descredibilizava as formas religiosas mais tradicionais.
Um desses movimentos – os flagelantes – acreditava que a auto-martirização e dor física, purificando a alma, eram medidas preventivas para a peste, enquanto acirradamente se lançavam a uma fanática perseguição fanática aos judeus, leprosos e outras minorias.
Contudo, em meio à dor e à irracionalidade, muitos médicos, ainda sem qualquer conhecimento em relação à peste, se dispuseram a atender os enfermos, ainda que com risco da própria vida. Adotavam para isso roupas e máscaras especiais para evitar a contaminação. Prescreviam à distância e lancetavam as lesões com facas de até 1,80 m de comprimento.


Da Península Itálica, a peste espalhou-se pelo resto da Europa, atingindo a Grã-Bretanha e Portugal em 1348 e finalmente a Escandinávia em 1350.
Algumas zonas foram inexplicavelmente poupadas, como Milão e a Polônia, fato que reforçava a crença de que a doença era atribuída à punição divina, principalmente quando a população se afastava das práticas religiosas ou das pregações da Igreja.
Foi somente no século I é que Rufus de Éfeso, um médico grego, elaborou uma descrição mais clara de peste na Líbia, Egipto e Síria. Descreveu os bubos duros, febre alta, dor e delírio já relatados pelos seus colegas Dioscorides e Posidonius nessas regiões.
Entretanto, O primeiro investigador a considerar a peste negra uma doença infecciosa foi Rhases, um médico árabe, no século X. As primeiras medidas eficazes de saúde pública foram tomadas nos portos do Mediterrâneo. Estas consistiram em evitar que os navios vindos do Oriente ancorassem nos portos, decretando períodos de quarentena. Migraçõesentre as diferentes cidades tambémforam proibidas, mantendo-se um período de quarentena de pelo menos 60 dias, nos quais as pessoas deveriam provar que não estavam infectadas.

Não bastassem as decorrências da peste e outras doenças, a Medicina da Idade Média era extremamente precária, dado que a própria investigação anatômica já era considerada uma forma de heresia, condenada pela Igreja e dramaticamente perseguida pela Inquisição. Essas instituições atrasaram secularmente o desenvolvimento da arte médica na Europa.

Este fato explicava porque os cirurgiões da época quase desconheciam totalmente a anatomia humana, nada sabiam sobre antissépticos, que fizessem com que as feridas não infeccionassem, e sobre anestésicos. A analgesia era provocada geralmente por procedimentos que provocassem outra dor maior.

No período medieval, na maioria dos casos, monges se tornavam cirurgiões, já que eles eram os únicos a ter acesso à literatura sobre medicina. No entanto, em 1215, um decreto papal proibiu esse tipo de atividade, que passou a ser feita por camponeses, pela sua experiência em tratar os animais.

Por isso a cirurgia na idade média era usada somente em casos extremos de vida ou morte. Não havia anestésico “confiável” que pudesse aliviar a dor de qualquer procedimento cirúrgico. Algumas poções usadas para amortecer o paciente ou induzir o sono podiam ser letais. Por exemplo, o Dwale, uma mistura de suco de alho, suco de cicuta, ópio, vinagre e vinho que era dado ao paciente antes de uma cirurgia. Eventualmente provocava parada respiratória e morte.

Tratamentos medievais, normalmente, eram uma mistura de fatos baseados em uma observação científica precária e incipiente, associada a crenças pagãs e imposições religiosas. As maiores contribuições àmedicina da época vieram do Oriente através dos navios que atracavam em Veneza.

Quando alguém contraía a peste bubônica, deveria passar por um período de penitência e absolvido por um padre. Como a doença era vista como um castigo de Deus, se o paciente admitisse seus pecados, talvez sua vida fosse poupada.

A sífilis e outras enfermidades sexualmente transmissíveis ainda praticamente desconhecidas como doenças infecciosas, eram consideradas como relacionadas a distúrbios da moralidade e da alma. Como causavam com frequencia bloqueio do fluxo da urina, inseria-se, como tratamento, um tubo de metal na bexiga através da uretra, causando namaioria dos casos mais prejuízo que recuiperação, isto por volta do ano 1300.

Os médicos da Idade Média achavam que praticamente todas as doenças eram causadas por excesso de líquido no corpo. Então a solução eram as sangrias - tirar o sangue dos pacientes. Ou usando sanguessugas ou lancetando os vasos superficiais do braço.

A gravidez era tão mortal que a Igreja pedia que as grávidas se preparassem espiritualmente para morrer no parto. Em várias regiões parteiras mais experientes foram perseguidas como bruxas, já que usavam métodos para aliviar a dor de suas pacientes. Quando um bebê estava morto no útero, uma faca era usada para que ele fosse desmembrado ainda na barriga da mãe, para facilitar a retirada do feto.


Não é portanto exagerado afirmar que na Idade Média dores da alma e dores físicas coexistiram quase continuamente. Interando-se ou até justificando-se mutuamente.
*
Entretanto a redenção deste entendimento pobre e sofrido da alma humana, conduzida a dores extremas, chega com o Renascimento.

Este fundamentou-se no humanismo, na valorização de matérias que envolviam a vida humana, como matemática, física, línguas, história, astronomia e filosofia.

Ressurge a paixão pelos clássicos gregos e a valorização das qualidades humanas. Mantendo a idéia da criação divina do homem e da terra, mudou, entretanto, o conceito de que a terra fosse um local de sofrimento, como no pensamento medieval.

O Renascimento foi um movimento urbano, visto que foi efetivamente apoiado pelo pensamento burguês, sem se apoiar no da Igreja, na época retrógrada e discriminatória.

Era a expressão do povo que habitava as cidades livres. Os primeiros focos renascentistas foram nas cidades italianas: Veneza, Pisa, Gênova e Florença, que viviam principalmente do comércio. Estas cidades receberam uma forte influência dos sábios bizantinos, que haviam fugido de Bizâncio, devido aos conflitos religiosos, entrando na Europa através de Veneza.

Em 1450, Johannes Gutenberg, criou a impressão mecânica, através do uso de tipos móveis de metal. Essa invenção facilitou a democratização do acesso ao conhecimento através dos livros, já que até então toda a cultura era transcrita em pergaminhos pelos copistas medievais, monges que, reclusos em mosteiros desenvolviam trabalho artesanal primoroso, contudo, lento e de acesso apenas para os ricos e poderosos.

E então na aristocrática Florença, na fase pré renascentista, Dante Alighieri – a voz dos séculos silenciosos, o primeiro e maior poeta da língua italiana, na escuridão cultural da Idade Média – magistralmente descreveu o sofrimento e a dor na Divina Comédia, em todos os nove círculos de seu Inferno, associando também o sofrimento físico à agonia e à dor espiritual.

Redigido entre 1307 a 1321, o poema mostra o poeta perdido na selva do pecado, sendo guiado pela razão (personificada por Virgílio, o poeta grego) nos três reinos do Além, percorrendo um a um os nove círculos do Inferno, reconhecendo toda a dor contida em cada um, para depois se penitenciar no Purgatório, e, resgatado pela fé e pelo amor, ser conduzido aos nove céus concebidos por Ptolomeu. Uma simbólica escalada rumo à esperança, descrita em uma obra prima da literatura, repleta de ricas metáforas, mesclando significados metafísicos, políticos e sociais.

Estruturalmente composto por cem cantos, com versos apresentados em tercetos, revela fielmente a força da dor alegoricamente descrita nos castigos infernais.

Pessoalmente Dante conheceu intimamente as dores da alma. Enamorou-se perdidamente de Beatrice Portinari, para quem escreveu os mais belos versos de amor da época, amor platônico que o acompanhou durante toda a vida.

A partir das luzes do Renascimento a tradição da linguagem escrita se impõe, e a divulgação das diferentes doutrinas espirituais se populariza, sempre de alguma maneira procurando ligar a figura da divindade e seu relacionamento com os homens, através de dois sentimentos: amor e dor.

Mas toda a reestruturação do conhecimento humano produzida pelo Renascimento, que em sua evolução promoveu a cicatrização, ainda que incompleta, das dores da alma intensificadas na Idade Média, não foi desprovida de sacrifícios.

Principalmente porque os procedimentos inclementes do Santo Oficio e da Contra Reforma implacavelmente promoveram uma onda de sacrifício de vidas somente ultrapassada pela peste negra. E fundamentalmente apoiada apenas pela intolerância religiosa.

De grande importância na época para o desenvolvimento do conhecimento humano surgiram os mecenas, nobres ricos que patrocinavam os artistas renascentistas. Seja como forma de ajuda, investimento pessoal ou para adquirir prestígio social. Alguns mecenas destacados foram: os Médicis em Florença e os Sforza em Milão.

Lourenço de Médici (Florença,1449–Careggi1492): estadista italiano, administrador da República de Florença durante o Renascimento italiano, notabilizou-sepor atuar como diplomata, político e patrono de acadêmicos, artistas e poetas, exatamente por isso conhecido como Lourenço, o Magnífico, e um dos pilares do movimento enascentista na Itália.

Sua morte marcou o fim da chamada Idade de Ouro de Florença. Depois de sua morte a frágil paz que ele ajudou a construir entre as diversas cidades estados italianas entrou em em colapso.

Mesmo assim sua administração não foi pacífica. O papa Sisto IV,inimigo da familia Medici,instigou através dos sues banqueiros –os Salviatti – uma conspiração liderada pela familia Pazzi. Foi feito um plano para matar os dois irmãos Médici no Duomo de Florença, durante a missa, em 26 de abril, um domingo de Páscoa. Juliano morreu, Lourenço escapou, embora ferido, salvo pelo poeta Poliziano, que o trancou na sacristia.

Francesco Salviatti, arcebispo de Pisa, ao cabo da mal sucedida conjura, acabou sendo com seus aliados linchado pela população florentina. Pela morte de Salviatti e dos Pazzi um decreto papal interditou a cidade de Florença. Mas a coragem e o talento diplomático de Lourenço, expondo sua própria vida, fizeram com que seus opositores Fernando I, rei de Nápoles e o próprio papa aceitassem uma paz que mantinha Florença ainda em uma posição de dignidade e favorecedora da manutenção de uma república governada por cidadãos livres e iguais.

Verdadeiro mecenas, foi o impulsor da primeiras imprensa italiana, que disseminou democraticamente o movimento renascentista. Este rejeitava a ciência escolástica ( fusão do aristotelismo com a teologia da época ) para valorizar a pesquisa e a busca do sentido da vida, colocando o homem no centro do Universo ( humanismo clássico).

Seu palácio tornou-se o centro cultural, resgatando a arte antiga greco-latina e promovendo o florescimento da cultura renascentista. Os maiores artistas, cientistas e literatos frequentavam a sua corte. Mas Lourenço também participava ativamente como escritor e pota de recursos consideráveis. Os filósofos Marsílio Ficino e Pico della Mirandola, os poetas Pulci e Poliziano e grandes artistas como Botticelli e Ghirlandaio, eram seus hóspedes habituais. Até mesmo Michelangelo iniciou seus estudos nos ateliês patrocinados por Lourenço.

Toda essa ativa proteção e estímulo às artes do Renascimento, e também pelas festas suntuosas e gastos excessivos puseram em perigo a fortuna dos Médici, e despertando a ira de Jerônimo Savonarola.

Dotado de grande inteligência, governou em um clima de prosperidade pública, aumentando a influência de sua família por toda a Itália, e manteve as instituições republicanas em Florença, ainda que só na aparência. Na verdade, Lourenço foi virtualmente um tirano. Utilizava-se de espiões, interferia na vida privada dos cidadãos mas conseguiu levar o comércio e a indústria de Florença a um nível superior ao de qualquer outra cidade da Europa.

Girolamo ou Jerônimo Savonarola (Ferrara 1452 — Florença, 1498),reformador dominicano veio de uma antiga e tradicional família de Ferrara, tendo devotado sua vida aos estudos da filosofia e medicina. Sentindo profundamente a perda de valores religiosos, trazida pela ideologia do Renascimento, ao mesmo tempo por um zelo intenso para com a salvação das almas, dispos-se a arriscar tudo a fim de combater as fraquezas humanas. Criticava ferozmente a imoralidade, a vida de prazeres dos florentinos, exortando a população para retornar à vida pautada na virtude cristã. Seus sermões e sua personalidade causavam um profundo impacto na população.

Intensificou suas críticas voltando-as contra os abusos na vida eclesiástica da época, da imoralidade de grande parte do clero e muitos membros da Cúria romana, príncipes e cortesãos. O papa para fazer calar o inconveniente pregador, ofereceu-lhe o título de de cardeal.

Mas isso não era nenhum atrativo para Savonarola. Recebeu o oferecimento com indignação, e declarou que o único barrete encarnado que ele ambicionava era aquele que fosse tinto com o sangue do martírio.

Passou a denunciar os crimes do Vaticano, através de sermões apaixonados e apaixonantes que motivaram como reação da Igreja sua excomunhão, e posteriormente sua prisão e morte. Foi condenado à morte em 1498, torturado e, em 25 de maio, morreu queimado na Piazza della Signoria em Florença. Constituiu-se em um dos maiores precursores da Reforma Religiosa ( século XVI).

O grande mártir do Renascimento foi Giordano Bruno (1548-1600). Ingressou na Ordem Dominicana onde estudou profundamente a filosofia de Aristóteles e de São Tomás de Aquino, doutorando-se em Teologia.

Foi o primeiro filósofo a afirmar que deveria haver vida em outros lugares do Universo,baseado no atomismo de Demócrito. Filósofo, astrônomo e matemático foi um dos maiores pensadores do século XVI e um dos precursores da ciência moderna.

Expulso da ordem dos Dominicanos por suas idéias conflitantes com a ortodoxia religiosa, disseminou-as por toda a Europa. Sempre contestador, não tarda a atrair contra si próprio opiniões contrárias e perseguições.

Suas teorias chocavam-se contra o antropomorfismo e a Santa Trindade, principais dogmas do catolicismo, pelo que foi acusado de heresia.
Inicia, então, uma peregrinação que marcou sua vida, visitando Gênova, Toulouse, Paris e Londres.

Suas idéias metafísicas eram monistas e imanentistas, admitindo que acima de um deus imanente (a "alma do mundo"), haveria um deus transcendente, só apreendido pela fé, mas uma fé inteiramente naturalista, bem diversa da fé católica da época.

Ao contrário do que se pensa comumente, Giordano Bruno não foi queimado na fogueira por defender o heliocentrismo de Copérnico. Sua luta política voltava-se para o estabelecimento de uma sociedade pacífica, com a união entre os cristãos católicos e protestantes.

Propunha um “novo homem”, marcado pela liberdade de pensamento e pela tolerância religiosa.

Um dos pontos chaves de sua teoria é a cosmologia, segundo a qual o universo seria infinito, povoado por uma infinidade de estrelas como o Sol com outros planetas como a Terra contendo igualmente vida inteligente.
Por estas opiniões quentes e perigosas para a época, Giordano Bruno foi condenado pela Inquisição.

No último interrogatório, não se submetendo à intransigênciada Inquisição, e, mostrando força e coragem, por não abjurar, é condenado à morte na fogueira, com tábua e pregos na língua, para parar de blasfemar. Afinal, além de um espirito privilegiado, possuia o perigoso dom da eloquëncia.


Mas calar a voz de Giordano Bruno nao foi suficiente para interromper a escalada do Homem em busca de um ideal de progressão espiritual.
Essa progressão fundamentou-se principalmente nos exemplos da extrema dedicação a um ideal construtivo, quase sacrifício, de Buda, Maomé, Jesus Cristo, dos apóstolos e mártires do Cristianismo.

Através desses exemplos a dor tornou-se, não mais o instrumento da punição divina, não mais o resgate de opiniões criticadas pela intransigência da Igreja, mas agora da purificação espiritual, através do poder do amor universal.

Esse entendimento permanece até os dias atuais.

E desta maneira, porque não, até um caminho paradoxal para o prazer...


( CONTINUA )

A Dor como instrumento de punição divina.

A dor sempre acompanhou o homem, desde a sua criação, sendo talvez sua mais fiel companheira. E sempre em todas as épocas dotada de uma carga de simbolismo inerente à história e cultura de cada povo.

Frequentemente a introdução da dor e do sofrimento no destino do Homem esteve ligada ao conceito de punição divina.

Na Mitologia Grega, Prometeu, um semi-deus, por ter roubado o fogo dos céus para entregá-lo aos homens, experimentou a cólera divina de Zeus, no suplício da dor crônica: acorrentado a um penhasco, tinha o fígado continuamente devorado por um abutre, dia a dia, pois o órgão se recompunha diariamente tornando o suplício contínuo.



Já no Gênesis após infringirem os mandamentos divinos Adão e Eva, expulsos do paraíso, aprenderam que a vida deve ser conduzida através de experiências contraditórias como esforço físico, dor e lágrimas. Também com sentimentos negativos como ciúme, violência e sangue – que, acometendo Caim, levou-o ao assassinato do irmão Abel. Decorrente disto a mentira, o remorso e o exílio. O Homem voltando à dor da solidão.

De Caim ao dilúvio, a dor do próprio Criador ao reconhecer a corrupção de sua obra e a necessidade de um novo reinício. A dor maior do Pai, sacrificando seus filhos nas águas revoltas, para que novamente os homens se desenvolvessem com a alma mais purificada e os instintos mais evoluídos, compondo uma criação que deveria ser perfeita.

Os filhos do patriarca sobrevivente Noé repovoaram a terra, e muito depois, num assomo de inacreditável arrogância, decidiram construir uma torre que chegasse aos céus. Novamente a mão do Criador baixou sobre eles, trazendo como veículo de outra lição a dor da surpresa e da decepção de não conseguirem mais se comunicar entre si. E a anarquia gerada pela criação de diferentes idiomas, aqueles que haviam decidido chegar ao céus por sua própria obra, imitando o criador, abandonaram a torre de Babel, dispersaram-se, e com humildade recém-aprendida, iniciaram um longo e penoso recomeço.

A relação do próprio Deus com sua obra sempre foi cercada de exigências de ambas as partes.

A aliança do Homem com Deus sempre foi testada pela angústia e inquietude da alma humana. Temor e receio do desconhecido, gerando o conceito de uma divindade única e suprema, severa e inquisitiva, onipotente e temida.

E em um momento de imperfeição quase humana, o Criador cobra de Abraão, o patriarca, a mesma dor, exigindo o sacrifício de seu filho Isaac, como demonstração de obediência e fé. E assim, também nisso o patriarca cegamente obedeceria ao seu Deus,como testemunho de inabalável crença. Mas no último momento, o anjo enviado pelo próprio Deus, impediria o sacrifício supremo, reconhecendo no patriarca o líder insofismável do povo do Deus Único.


E outra vez a dor - agora do oportunismo e ódio - separa os irmãos Esaú e Jacó. Este, em seu desterro aprende por sua vez a dor da decepção e do amor. Jacó, ameaçado de morte pelo irmão Esaú, enviado pela mãe Rebecca, viajou para a casa de Labão, parente distante. Lá, apaixonou-se por Rachel, filha de Labão, e para casar-se com ela trabalhou, como era então hábito, como pastor durante sete anos.

Mas na noite de núpcias, Labão vestiu Lia, irmã mais velha de Raquel com as roupas nupciais, e entregou-a a Jacó. No dia seguinte, quando Jacó descobriu a trama insidiosa, o matrimônio já tinha sido consumado. Amargando a dor da decepção e do amor não que lhe abrasava a alma, a partir de então trabalhou outros sete anos,para conseguir o direito de enfim se casar com Rachel, sua verdadeira amada. Junto com cada filha, Labão enviou também duas criadas Bila e Zilpa,que posteriormente também, segundo os hábitos vigentes, se tornaram esposas de Jacó.

A dor da decepção e a grandeza deste amor inspiraram Luis de Camões a compor um soneto magistral:

Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel serrana bela,
Mas não servia ao pai, servia a ela,
Que a ela só por prêmio pretendia.

Os dias na esperança de um só dia
Passava, contentando-se com vê-la:
Porém o pai usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe deu a Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Assim lhe era negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começou a servir outros sete anos,
Dizendo: Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida.


Enquanto Lia deu à luz quatro filhos em sucessão rápida, Rachel, estéril, não podendo conceber por muitos anos, ofereceu sua criada Bila para o marido. Esta união resultou em dois filhos. Lia que também desejou mais crianças, ofereceu a criada Zilpa à Jacó, e mais dois filhos vieram. Finalmente, depois que Lia pariu outros dois filhos e uma filha, a própria Rachel gerou dois filhos.

Rachel sempre foi a esposa preferida de Jacó, que a amava muito e a ela dedicava a maior parte de seu tempo livre. Raramente Jacó visitava a tenda de Lia. Rachel morreu de complicações de parto, mas antes chamou o menino Benoni (filho de minha dor).

José, o décimo primeiro filho de Jacó, nascido de Raquel, citado no livro do Génesis, no Antigo Testamento, foi o fundador da Tribo de José, constituída, por sua vez, pelas tribos de de Efraim e Manassés, seus filhos.

José sentiu na alma a dor da inveja de seus irmãos, que o percebiam ser o filho predileto do pai. Os irmãos o venderam como escravo a mercadores egípcios, e informaram ao pai sua morte, causando este fato dor insana ao pai. Mas por seus próprios méritos, José caiu nas graças do vizir do faraó, Potifar, tornando-se seu braço direito. Mas, por resistir com dignidade ao assédio sexual da mulher de Potifar, foi por ela acusado e lançado na prisão.

Um dia, o Faraó teve um sonho profético no qual sete vacas magras comiam sete vacas gordas e mesmo assim continuavam magras. Para explicar seu sonho, ele convocou todos os sacerdotes do Egito para decifra-lo. Nenhum desses conseguiu, então o copeiro-chefe se lembrou do escravo na prisão, José, que tinha decifrado seu sonho e indicou-o ao Faraó que, chamando-o, ouviu a interpretação do sonho, pela o Egito passaria por sete anos de fartura e outros sete de seca.

Com isso, tornou-se José o conselheiro do faraó e grande da corte. Mais tarde, perdoando seus irmãos, chamou-os para com ele viverem no Egito, iniciando um novo ciclo de vida e, posteriormente servidão para o povo de Israel.

Na história do povo do Deus Único, sempre se alternaram fases de exultação e dor. Estas sempre relacionadas a épocas onde o povo, na concepção divina, se fez merecedor de medidas punitivas.

Moisés (1592 a.C. - 1472 a.C.) foi o primeiro grande patriarca, guia político e espiritual do povo hebreu. E talvez o que mais tenha sido penalizado com sofrimentos que lhe sobrecarregaram a alma inquieta e cheia de dúvidas.

Os descendentes de José e seus irmãos com o passar do tempo cresceram em número e passaram a ser escravizados. Mesmo assim, começaram a se reproduzir tão rapidamente, que passaram a se constituir em uma ameaça potencial contra a autoridade do faraó. Este então deu ordens de que toda a criança do sexo masculino deveria ser sacrificada.

Mais tarde, percebe-se que a dor causada pelo faraó ao povo hebreu recairia igualmente sobre os próprios egípcios, já que uma das dez pragas que determinaram a anuência do faraó em liberar os hebreus do cativeiro, foi igualmente a morte de todos os primogênitos egípcios.

Para livrar o filho do decreto mortal do faraó, a mãe de Moisés, colocou o recém nascido em uma cesta de papiro, deixada a flutuar entre os juncos na margem do Rio Nilo, próximo onde se banhava a filha do faraó Seth. Thermuthis, a princesa egípcia encontrou-o e o adotou como filho.
Astuciosamente,contudo, sua mãe natural fez-se designada como sua ama de leite pela princesa egípcia, o que permitiu que Moisés secretamente fosse instruído na religião e cultura hebraica.

Moisés foi criado no palácio real como príncipe dos egípcios, sendo preparado e também instruído em toda a sabedoria da civilização mais adiantada daquele tempo. Foi educado na escrita e nas literatura do seu tempo, aprendendo também administração e a justiça.

O seu treinamento foi projetado para prepará-lo para um alto cargo, ou até suceder ao trono do Egito. Viveu na corte de faraó, com toda a pompa e grandeza cultura egípcia.

Aos 40 anos, Moisés se indignou com a crueldade de um feitor egípcio com um escravo hebreu, e acidentalmente matou-o. Temendo pelas conseqüências da rígida justiçado faraó, fugiu do Egito, levando a vida como pastor.

Outros 40 anos se passaram e Moisés, atendendo ao comando de Deus ( que a ele se apresentara como um arbusto que ardia sem se consumir ), retornou ao Egito para resgatar os hebreus da escravidão.

Moisés e seu irmão Arão apresentaram-se ao faraó solicitando que o povo hebreu fosse seja libertadodoforte jugo egípcio. Perante a insistente recusa do faraó, segundo Moisés, a mão divina se abateu sobre o Egito, enviando sucessivamente dez pragas que assolaram o país e acabaram por sacrificar os primogênitos egípcios, inclusive o herdeiro do trono.
Embora atualmente não exista nenhuma comprovação arqueológica da ocorrência das dez pragas do Egito, alguns historiadores, no entanto, propuseram a hipótese de que as pragas se referem a catástrofes ecológicas, motivadas principalmente pela explosão do vulcão Santorini.

Desolado pela perda do filho, dor maior que poderia afligir sua alma, o faraó finalmente concede a liberdade aos hebreus.
O êxodo se inicia e uma multidão de 600 mil hebreus deixam o Egito com seus pertences e rebanhos. O faraó, entretanto, com a alma atormentada, e, movido pelo desejo de vingança, envia um exército para massacrar os retirantes.

Mas novamente a mão divina se abate sobre o faraó, e, pela vontade de Deus e a força da fé de Moisés,as águas do Mar Vermelho se abrem dando passagem aos hebreus fugitivos. Mas após a travessia dos retirantes através o leito seco do mar, as grandes muralhas de água, contidas pelo deus hebreu, abatem-se sobre o exército do faraó, destroçando-o.

Moisés liderando seu povo, em busca de uma nova terra, chegou ao sopé do Monte Horebe, na Península do Sinai. Lá acamparam e Moisés e seu irmão Arão subiram ao cume do monte onde recebeu a inspiração divina para redigir as Tábuas da Lei, contendo os dez mandamentos. Mas ao final dessa revelação, ao descer o monte, percebeu que o povo descrente havia se entregado à idolatria, reverenciando outros deuses.

Com a alma profundamente alterada pela dor da ingratidão e descrença do povo que o deus Único havia libertado do jugo egípcio, Moisés coléricamente atira ao chão as Tábuas da Lei, despedaçando-as.

Como castigo divino o povo hebreu suporta a dor do desterro por 40 anos, vagando pelo deserto. Nesse período Moisés escreve o Livro do Êxodo, com o objetivo de manter vivo na memória do povo hebreu o feito da fundação de si mesmo como nação: a saída do Egito e a consequente libertação da escravidão.

Através de sua fuga e a busca da terra prometida, o povo hebreu adquire, através do sofrimento físico, a consciência de sua unidade étnica, filosófica, cultural e religiosa.

Moisés também escreve os outros quatro livros do Torá, codificando as leis mosaicas em 450 AC, que passariam a reger secularmente o povo hebreu. Apesar de tudo, Moisés sofreu, com a alma resignadamente em pedaços, a dor imerecida de jamais poder conhecer a terra prometida.

Nesse caminho pelas raízes bíblicas da história da humanidade intuitivamente as dores da alma se mostraram ligadas sempre ao relacionamento do Homem com um Deus de justiça, interpretado como capaz de aplicar medidas punitivas.

Entretanto mais que a punição divina, esses sentimentos, melhor considerados desajustes, neuroses ou desequilíbrios íntimos, coletivos ou individuais, devem ser objeto de tratamento ou oportunidade de reparação.

Esses processos psíquicos, como dores da alma, não devem merecer a punição divina ou a crítica impiedosa da intransigência religiosa. Devem ser melhor interpretados no reconhecimento de que podem e necessitam ser tratados com responsabilidade e compaixão.

A partir do Novo Testamento a imagem de Deus se modifica, e embora ainda intervindo nos momentos de grande dor, mostra-se progressivamente transformado em uma divindade plena de amor .

Este amor se cristaliza no momento em que surge o Cristo como figura redentora da humanidade, através de seu próprio sacrifício em prol do resgate do destino espiritual do homem.

Sua trajetória e de seus discípulos deu início à mais bem sucedida revolução social e espiritual de todos os tempos: o cristianismo,que propiciou uma ascenção progressiva dos padrões espirituais do homem moderno.

Entretanto, como que abrindo caminho para essa revolução, baseada na crença e no subjetivismo dos caminhos e atividades atribuídas a Jesus, vem a figura de José, talvez o exemplo mais concreto da supremacia da crença sobre o racionalismo.

José é um personagem célebre do Novo Testamento bíblico, marido da mãe de Jesus Cristo. Segundo a tradição cristã, nasceu em Belém na Judéia, no século I a.C., pertencendo à tribo de Judá e na linhagem direta do rei Davi.

José não era homem de letras ou de ciências, sequer da religião. Era um homem do interior, da pequena vila de Nazaré, tão pequena que nunca foi mencionada em todo o Primeiro Testamento.

Carpinteiro por profissão foi designado por Deus para se casar com a jovem Maria, mãe de Jesus, que era uma das consagradas do Templo de Jerusalém. Mas, sem que nunca tivessem tido relações íntimas, José um dia encontrou Maria grávida.

Na época a lei bíblica vigente prescrevia como punição o apedrejamento das adúlteras. Mas José, homem justo e generoso, resolveu contemporizar, e mais tarde discretamente abandonar aquela que no futuro seria sua esposa. E aconteceu que enquanto José dormia, apareceu-lhe, em sonho, um anjo que pediu-lhe que não temesse em desposar a jovem, dizendo “ - pois o que nela foi gerado é do Espírito Santo”.

Dor indescritível na alma causada pela dúvida. Mas esta acaba sendo vencida pela inabalável fé no sonho interpretado como mensagem divina.

E assim José casa-se com Maria, assumindo publica e oficialmente a paternidade de Jesus. O lugar que José ocupa no Novo Testamento é bastante discreto e totalmente como coadjuvante do filho.

O silêncio era a sua essência. Mas também o trabalho com as mãos e a madeira, suficientes para alimentar a sagrada família.

José teria se casado jovem e só foi prometido a Maria quando já era viúvo. José teria tido, no primeiro casamento, duas filhas e quatro filhos sendo o caçula chamado Tiago, que Jesus considerava como irmão e com ele teria passado sua infancia e parte de sua adolescência. E Maria achou o menor Tiago na casa de seu pai e este estava triste pela perda de sua mãe e Maria o consolou e o criou. Assim Maria é às vezes chamada de mãe de Tiago. Estaria explicado assim a grande polêmica do "irmão" Tiago que Jesus pediu para tomar conta de sua mãe Maria

Embora nada se saiba de efetivo em relação à sua obra, há controvérsias que afirmam ter sido José em sua juventude um ativista empenhado na libertação da Judéia do jugo romano, tendo sido aprisionado até algumas vezes.

Especula-se ainda sua relaçãocomos zelotes, grupo de ativistas políticos que procurava incitar o povo da Judéia a rebelar-se contra o Império Romano e expulsar os romanos pela força das armas, que conduziu à Primeira Rebelião Judaica.

São José na carpintaria
( Georges de la Tour, 1593- 1632, Paris, Museu do Louvre )


Com o passar dos anos José, já em idade avançada, nunca deixou de trabalhar, mantendo-se vigoroso e com boa saúde. Não se sabe a data aproximada de sua morte, mas ela é presumida como anterior ao início da vida pública de Jesus.

A pergunta que fica é: qual o tipo de influência exercida por uma figura paterna como essa nos caminhos e decisões de Jesus? Quantas dúvidas enfrentadas por José, solucionadas ou não pela crença cega nas mensagens recebidas por seus sonhos, teriam sido transmitidas durante o convívio próximo e diário com o filho na carpintaria?

A dor motivando o Homem a buscar o seu destino

As dores da alma não se conceituam, nem podem ser definidas. Só as reconhece quem as sente. Só as sente, quem vive cada momento em toda a sua grandeza. Um momento pode representar uma eternidade. Um só minuto pode conter toda uma vida.

As dores da alma nos atingem quase sempre de surpresa. Portanto não há como preveni-las. E quando elas nos tomam, mal reconhecemos nossa condição humana, pois sua intensidade é tal que perdemos a noção do real e do imaginário.

O prazer e a dor, aquele como expressão máxima do bem estar, são sensações igualmente intensas e avassaladoras. O êxtase reconhecido em polos opostos: positivo e negativo. Definidos conceitualmente por limites imprecisos, dado que se constituem em sensações tão próximas. Tão incoerentemente separadas por algo tão minúsculo quanto uma vírgula.

E ao longo de nossas vidas a dor e o prazer se repetem, alternando-se incessantemente. Em todas as idades, em todas as fases. Uma sucessão de experiências, sentimentos que aos poucos constroem o mosaico de nossa memória. Esta, a reserva moral de nossos atos. Também a energia que impulsiona o direcionamento de nossas vidas. Em todas as nossas renovadas existências.

Quem somos e para onde vamos. O destino do homem. Indagações que perseguem o ser humano desde seus primórdios. A longa caminhada do homem na Terra, construindo os alicerces da civilização moderna, desenvolvendo uma tecnologia de ponta, cada vez mais globalizada tem permitido uma compreensão melhor da vida. Uma compreensão dos aspectos biológicos, sociais e do cenário material em que o homem se desenvolveu.

A evolução progressiva do espírito humano permitiu o controle de todas as diferentes formas de energia: ar, terra, água, fogo. E a partir daí o reconhecimento do cosmos, a interpretação do universo dentro de si mesmo, e contido em outros ainda não explorados. Exemplos de que a busca ainda está longe por terminar.

Cada etapa do conhecimento humano representa apenas uma partícula cósmica. Importante, contudo apenas o fragmento de um enigma a ser decifrado em um futuro ainda indeterminado.

Quanto mais procuramos o entendimento da razão ou as verdades científicas, cada vez mais nos deparamos com uma tortuosa e infinita muralha da China, onde cada progresso ou passo científico representa apenas um pequeno tijolo assentado.

Mas afinal, o que é que se procura: construir a muralha ou dominar os procedimentos e estratégias da construção?

A construção do futuro do homem deve se iniciar pelo reconhecimento do próprio homem como unidade da criação racional.

Estímulos os mais variados podem afetar também positiva ou negativamente o universo animal, vegetal e mineral. Mecanismos de defesa podem ser desencadeados. Até camuflagem de formas, contornos e cores podem ser induzidos. Até onde vai o instinto de autodefesa ou o de proteção da prole? O que é o instinto – uma forma primária e rudimentar de um comportamento racional?

A dor física pode ser produzida por vários tipos de estímulos. O instinto de proteção desenvolvido por algumas formas animais, ou ainda as armadilhas acionadas por plantas carnívoras, aprisionando e digerindo suas presas, podem se aproximar do tipo de estímulo que resulta na dor física?

Que tipo de estímulo leva o pássaro a alimentar seus filhotes no ninho? Ou que leva a fêmea a proteger suas crias até mesmo do macho com o qual se acasalou? Que leva uma fêmea a amamentar um filhote desconhecido e a agasalhá-lo como se fosse seu?

São essas manifestações do instinto ou de algo que se aproxima do conceito humano de alma? E se assim for, sofrerão também os animais as dores da alma?

Com todo o seu progresso vertiginoso, a ciência baseada em evidências não tem resposta para essas perguntas.

Nem mesmo para a demonstração formal da existência da alma. Muito menos ainda para o reconhecimento e interpretação das dores da alma.

Estas devem ser pressentidas através da crença em sua existência, e da sensibilidade de quem crê ou deseja crer.

As evidências formais devem justificar a essência de fatos e conceitos, mas também devem ser consideradas as experiências pessoais, reconhecidas pela exploração da sensibilidade individual.

Apenas a investigação experimental, constituída pela repetição sistemática e observação de eventos repetidos, se é necessária para a definição de resultados, nem sempre é suficiente para a solução de alguns problemas. Grandes descobertas foram resultantes do acaso e da sensibilidade do investigador em aceitar o desconhecido ainda não demonstrado por evidências formais. Por exemplo, a descoberta da penicilina por Alexander Fleming, fruto da observação, sensibilidade ou crença desprovida de evidências demonstrativas?

Cristóvão Colombo acreditou, sem evidências concretas, que a Terra era redonda. É certo também que se baseou em conhecimentos posteriormente atribuídos a Roger Bacon. Que também não dispunha de evidências formais. Baseava-se apenas na crença.

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Por quê elaborar o blog REVENDO AS DORES DA ALMA

Durante toda a minha vida, seja como médico, seja como professor universitário, seja como individuo, a dor física e as dores da alma tem sido companheiras fiéis. Deste modo tenho aprendido com meus pacientes, alunos e colegas, preciosas lições que diariamente tem se somado e progressivamente me transformado, propiciando-me uma evolução espiritual extremamente saudável. E deste modo, permitindo que a convivência com meu semelhante tenha se aprimorado, levando a um relacionamento transparente e direcionado para uma melhor qualidade de vida.

Minha filha, Thais Helena, sugeriu-me então compartilhar minhas idéias, conceitos e pensamentos, construidos através de meu conhecimento profissional e humanístico, expresso até agora em minhas aulas e livros editados, de modo mais acessível e democrático. Assim, através deste blog, passo a abordar vários assuntos, ora relacionados a temas médicos, ora relacionados com lições de vida, adquiridas através das relações humanas e interpretadas à luz da maturidade, já no outono de minha vida.

Deste modo, convido-os a percorrer comigo os vários caminhos que passo a relatar neste blog, desejando também, conhecer as suas críticas e sugestões.

Um afetuoiso abraço.