quinta-feira, 12 de julho de 2012

POR TRÁS DE GLÓRIA (PARTE 14) FIM DA LINHA

Santiago do Chile continuava uma das mais belas cidades do continente americano, rodeada pela cordilheira dos Andes. Além da sua proximidade com estações de esportes de inverno, vinícolas e belas praias, respira ainda cultura, representada por seus dois prêmios Nobel de Literatura, Gabriela Mistral e Pablo Neruda. Recém saída de um golpe militar que introduzira o governo totalitário do General Pinochet, um clima de insegurança dominava a cidade. Sentados em uma das mesinhas do Mercado Central, com vista para a movimentada Calle 21 de Mayo, Leo e Sérgio tomavam um encorpado vinho tinto chileno. A tarde caía preguiçosa, e os dois amigos se refaziam dos acontecimentos dos últimos dias. Comentavam sobre a persistência de Alberto e sua obsessão em capturá-los. De como finalmente haviam se desvencilhado dele em Parati. Graças a um estratagema cuidadosamente preparado por Leo e Lívia, deixando pistas sobre uma rota de fuga do Brasil, voando do Rio de Janeiro para Lisboa. Na realidade, nada disto ocorrera. Guiados pelo mateiro, acabaram chegando a Parati. Ali alugaram uma lancha Cobra de doze pés e chegaram em Santos. Após uma noite de sono intranquilo, subiram a serra para São Paulo, de onde voaram para Santiago. Se Alberto mordesse a isca, procurando-os no Rio de Janeiro, jamais os encontraria. Haviam combinado, que se tudo corresse bem, Lívia os encontraria ali. Para então definirem seu futuro. Já estavam por merecer dias melhores depois de tanto sofrimento. Deles, apenas Lívia tinha um objetivo definido. Voar para Paris e tentar encontrar Tiago e a filha. Já para decidir o que fariam Leo e Sérgio teriam que esperar a chegada de Lívia. Sérgio necessitava ainda de tempo para retomar suas forças e fortalecer seu espírito. A tortura por tantas semanas tinha deixado cicatrizes físicas e morais. Sua recuperação apenas tinha sido possível graças à dedicação de Leo. Por enquanto não tinha a menor condição de retomar sua vida sem o apoio do amigo. Leo, por sua vez, durante as últimas semanas, praticamente não pensara em si. Agira impulsivamente apenas com o objetivo de resgatar Sérgio e ajudar Lívia a reencontrar sua família. Também se preocupara em salvar sua própria pele, pois já pressentira todo o rancor e ódio de Alberto. Nem por um momento pensara em seu futuro profissional e sua vida pessoal. Atirara-se nessa empreitada de corpo e alma, como se para dar um significado maior à sua vida. Acariciados pela brisa da noite, que se iniciava iluminada por estrelas promissoras, dirigiram-se para a estação do metro Cal y Canto, rumo ao seu hotel, próximo à Catedral. Atravessaram a Plaza de Armas, distraindo-se com o burburinho dos transeuntes e vendedores ambulantes. Era como se estivessem em outro mundo. Tranquilo, sem perseguições. Sem ameaças. Lívia chegou na semana seguinte. Resolvera permanecer mais alguns dias em Assunción, por segurança. Tentara rastrear as atividades de Alberto. Mas nada conseguira. Também não queria informar seu paradeiro a ninguém. Nem mesmo aos companheiros do partido. Escrevera outra carta a Glória, contando-lhe os últimos acontecimentos. Ocultara, entretanto, os planos para reencontrar Leo e Sérgio, pois eventualmente a carta poderia cair em mãos erradas. Mais uma vez solicitava o empenho em tentar descobrir o paradeiro de Tiago e da filha. Pelas últimas informações estariam vivendo em algum lugar em Montmartre. Esta via de comunicação com Glória, além de reacender suas esperanças de reencontrar a família, também a aliviava. Transmitir notícias significava reprogramar o presente. E naquele momento Lívia necessitava reprimir sua ansiedade. Estava cada vez mais próximo o reencontro com Tiago e a filha. Alguns dias depois, no final da tarde, o sol caia vagarosamente, aquecendo a brisa fria que permanentemente refrescava a cafeteria do Cerro Santa Lucia. Uma vista panorâmica de Santiago se oferecia aos dois amigos que bebericavam, sentados em uma das mesinhas toscas com tampo de granito. Já estavam bem acostumados a esse tipo de rotina desde que chegaram à cidade. Nada havia o que fazer e, em segurança, preguiçosamente repassavam as emoções das últimas semanas. Alberto já estava se tornando uma sombra do passado, sem qualquer oportunidade de alcançá-los. Tentavam delinear os próximos passos com a tranquilidade de quem nada tinha a temer. Para entrar no poís tinham utilizado passaportes falsos e usavam outros nomes. Esperavam apenas a chegada de Lívia. Antes de retomar sua nova vida, Leo queria estar seguro de poder encaminhar Lívia para Paris. Com certeza lá, com o auxílio de Glória, certamente haveria de reencontrar Tiago, pondo um fim a uma fase prolongada de solidão e sofrimento. Ela chegou confiante e sorridente. Um longo e caloroso abraço coroou o encontro dos três amigos. Como se tudo que tivessem passado juntos estreitasse ainda mais os laços de amizade. Era o reinício de uma nova vida onde apenas houvesse lugar para a esperança. Em seu apartamento da Rue Mouffetard, Glória lia a última carta de Lívia. As palavras traziam-lhe finalmente as melhores notícias. Muito em breve poderia rever a prima, abraçá-la e confortá-la. Mais do que isso reconduzí-la a Tiago. Depois de meses de procura havia, quase que por acaso, o reencontrado Tiago na Place de Tertre, tomando um pastis, enquanto a filha se divertia com os artistas de rua. Tiago, envelhecido precocemente, ainda guardava no olhar a força interior dos anos passados. Mas não se conteve ante as notícias de Lívia, cuidadosamente transmitidas por Glória. Sentimentos confusos acometeram-no. Lágrimas de alívio e saudade afloraram-lhe nos olhos marcados. Pensar que muito em breve estariam todos reunidos e, em segurança, era muito mais do que poderia naquele momento esperar da vida.

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