quinta-feira, 12 de julho de 2012

POR TRÁS DE GLÓRIA (PARTE 3) A RESISTÊNCIA ARMADA

O golpe militar de 1964 tinha reveladas as suas raízes e desdobramentos. Os interesses do empresariado brasileiro, amparado pelo capital externo, acostumado à fraqueza do mercado interno e ao paternalismo do Estado, procuraram a opção de um governo que garantisse investimentos externos e afastasse a desordem social, no caso a ameaça socialista, representada pelo Presidente Jango Goulart. A intervenção militar radical já era esperada. Pior que isso, segmentos da sociedade, inicialmente atônitos passaram a aplaudir a instalação do regime totalitário. As tradições democráticas foram banidas em nome da legitimidade num flagrante desrespeito. O golpe usava a violência da repressão com a desculpa de garantir a soberania da nação brasileira. Mas, na realidade, prestigiava apenas a elite política, beneficiada pela interferência externa. Claramente manifesta pelo apoio estratégico-militar dos EEUU na aplicação e desenvolvimento de um regime de força autoritária. A resistência não se fez esperar. Sempre presente durante os anos que se seguiram. Mas sempre contida pela arbitrariedade e pela violência do comando militar. A sociedade atemorizada pela atuação totalitária cada vez mais evidente e a repressão violenta aos focos de resistência fizeram surgir os núcleos de resistência armada e fomentar uma política alternativa de guerrilha urbana. Em represália, mais violência. Os desaparecidos e os desaparecimentos inexplicáveis. Muitos sem causa. O jogo político da sucessão presidencial ao longo de vinte anos, manteve a supremacia dos generais. A participação estudantil se renovara, e em 1968, permeada por pequenas agremiações partidárias de esquerda, que iam da linha trotskista à maoísta, passou a atuar na clandestinidade. A brutalidade da repressão policial fortalecia o conceito da resistência armada. Parte do Brasil se opunha ao Brasil anestesiado e militarizado. O Ato Institucional 05 finalizara por suspender indefinidamente a cidadania, ampliando indefinidamente os poderes de intervenção do poder executivo. Do regime militar. Surgia a obrigatoriedade nas escolas de uma nova disciplina, Educação Moral e Cívica, destinada a reconstruir a História do Brasil, entretanto sem muito compromisso com a verdade. Uma feição totalmente alienada e irreal. Logo a seguir o Ato Institucional 08 acabava com qualquer eleição ou direito eleitoral no país. Toda a forma de pensamento livre era considerado subversivo. E logo erradicado. Violentamente. Curiosamente a ajuda externa começou a rarear. Feitiço voltando contra o feiticeiro. A repressão absoluta à democracia no Brasil, incomodando os idéias democráticos americanos. Decretado pelos próprios militares o Ato Institucional 12 transferia todos os segmentos do poder constituído aos militares. O Ato Institucional 13 definindo a Lei de segurança nacional enquadrava os atentados contra a segurança intensificando a política do exílio compulsório. A seguir o Ato Institucional 14 legalizava a pena de morte para os culpados de guerra externa, psicológica ou revolucionária. O Ato Institucional 17 definiu a seguir a punição radical de qualquer indisciplina nos quadros militares. Os interrogatórios e sessões de tortura passaram a ser uma rotina tão absurda quanto natural para o regime de força - Os Anos de Chumbo. Os primeiros anos da década de 60 sediaram o início da resistência armada. A guerrilha do Araguaia se constituiu no mais organizado foco de combate ao governo desde o movimento messiânico de Antonio Conselheiro em Canudos. Dezenas de jovens intelectuais, comunistas e simpatizantes juntaram-se aos camponeses da região. Formaram grupos de trabalho que tentaram melhorar a estrutura social e de saúde daqueles que viviam miseravelmente.Em busca de um país mais justo. Mais digno. Essa dedicação explica o apoio da população local aos guerrilheiros durante o confronto armado com os militares. A Guerrilha do Araguaia foi organizada pelo Partido Comuista do Brasil (PCB), na ilegalidade, entre 1966 e 1974.Por meio de uma resistência popular armada prolongada os integrantes do PCB pretendiam implantar o comunismo no Brasil, iniciando o movimento pelo campo, à semelhança do que já ocorrera na China em 1949 e em Cuba dez anos depois. O palco de operações se deu onde os estados de Goiás, Pará e Maranhão faziam fronteira. O nome foi dado à operação por se localizar às margens do rio Araguaia, próximo às cidades de São Geraldo e Marabá no Pará, e de Xambioá, no norte de Goiás. Esta região, ao norte do Estado de Tocantins, passou a ser chamada também de Bico do Papagaio. Aderiram ao movimento cerca de setenta a oitenta guerrilheiros, a maior parte por volta de 1970. Para combatê-los a ditadura militar mobilizou inicialmente cinco mil soldados brasileiros, além do auxílio de centenas de militares norte-americanos . Estes atuariam na elaboração de planos estratégicos de dominação e consolidação de território. A maioria dos soldados brasileiros que participaram das operações desconhecia a natureza de sua missão. Nos governos de Emilio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel as operações militares foram executadas de maneira sigilosa. Era proibida a divulgação da existência de um movimento guerrilheiro no interior do país.Devido à censura rigorosa, nunca foi autorizada a publicação de detalhes sobre a guerrilha. A população brasileira sempre ficou alheia ao conhecimento dessa rebelião. A única menção feita por Geisel a respeito da existência de um movimento guerrilheiro no interior do Brasil se deu em 1975. Os guerrilheiros não usavam sua verdadeira identidade. Nomes e dados eram forjados. Muitos eram estudantes e profissionais liberais que haviam participado de manifestações e passeatas contra o regime na década de 1960. Os relatos dos sobreviventes documentam sempre a tortura como instrumento de coação. Os considerados mais perigosos eram sumariamente executados após a tortura. Em torno de 70% eram oriundos da classe média e tinham profissões liberais como médicos, dentistas, advogados e engenheiros. Ou ainda bancários e comerciários. Cerca de 10% eram operários. Menos de 20% eram camponeses. Recrutados na região do Araguaia. A idade predominante era em torno de trinta anos. Iam chegando aos lugarejos da região, adquirindo a confiança dos moradores, agindo como integrantes das comunidades e exercendo ocupações comuns no interior: agricultores, farmacêuticos, curandeiros, pequenos comerciantes, donos de bares ou pequenas vendas de beira de estrada. Não se comunicavam entre si , a não ser secretamente. E nunca moravam próximos uns dos outros.Participavam de todos os eventos da comunidade, sendo bem recebidos e integrados a elas. Não atuavam e não influiam na política local, nem se envolviam em discussãoes políticas para evitarsuspeitas. Praticavam o ensino do trabalho comunitário, voluntariado e assistencialismo. Práticas assistenciais médicas e odontológicas faziam parte do trabalho voluntário desenvolvido nas escolas e centros comunitários. Davam aulas e organizavam mutirões assistenciais. Com isso aos poucos ganharam o respeito e a admiração da população local. Após um ano de atuação, os grupos revolucionários do Araguaia já possuíam condições de articulação da população em curto período, com mobilização de estratégias de defesa, baseadas nas táticas utilizadas por vietnamitas sob a liderança de Ho Chi Min, ou nas atividades comunitárias desenvolvidas pelo governo de Fidel Castro em Cuba. Curiosamente as autoridades federais somente tomaram conhecimento do movimento, quando uma das guerrilheiras caiu enferma. Por falta de condições assistenciais na região, retornou à casa dos pais para tratamento. A família tinha estreitas relações com o exército e acabou por denunciar a existência do movimento, seus projetos e até alguns líderes. Somente após isso a ditadura militar se mobilizou. O chefe do Serviço Nacional de Inteligência (SNI ) na época, o futuro presidente da república, general João Batista Figueiredo, cercou toda a região e articulou os primeiros movimentos militares. Presumia uma rápida campanha de erradicação, uma lição da truculenta eficiência do exército federal. Encontrou, porém, menos de uma centena de guerrilheiros, homens e mulheres, bem equipados e bem treinados taticamente. Foram necessárias três campanhas mobilizadas pelas fôrças armadas para que a fase atuante da guerrilha do Araguaia se desbaratasse. Durante mais de 14 meses os guerrilheiros barraram as manobras das tropas governamentais, esperando que sua resistência encontrasse eco nas demais regiões do país. Procuravam incentivar uma reação escalonada de oposição mais radical que nunca aconteceu. A imprensa nacional sobrevivia sob rígida censura. A internacional, ainda muito conservadora , mostrava-se reticente ao apoio de movimentos populares, considerando-os núcleos de ativistas políticos e de terroristas. Por falta de informação adequada o tão esperado apoio pupular, principalmente das classes operárias, nunca aconteceu. Os revoltosos ficaram entregues aos seus próprios esforços. As baixas do exército brasileiro nos combates da guerrilha do Araguaia foram muito pequenas, mais de ordem moral. A orientação da guerrilha seguia moldes trotkistas, ou seja - não matar o soldado que nos combate hoje, pois, amanhã esse será o aliado contra o opressor. Em 1973, o governo federal, contando com experiente consultoria européia, formou o primeiro batalhão de infantaria de selva, utilizando-se dos métodos disciplinares da Legião Estrangeira. “Marcha ou morre”. Isto é, um rígido código disciplinar associado a um preparo físico excepcional. Acima dos próprios limites. Em 1974, com ataques combinados, forca aérea, infantaria e pára-quedistas iniciaram a maior ofensiva governamental. A única bem sucedida. A manobra valeu-se de aproximadamente 18.000 soldados, da aeronáutica, exercito e policias militares estaduais. Era o fim da Guerrilha do Araguaia. Mas não o fim da resistência armada, nem do anseio de liberdade democrática, vento que fustigava incessantemente a face da ditadura no Brasil. Depois disto os guerrilheiros aprisionados passaram a ser sumariamente exterminados. A ordem era para que não houvesse sobreviventes. Não deveria haver testemunhas daquele movimento. Até os corpos deveriam desaparecer E assim foi feito. A população também foi martirizada. Os camponeses eram forçados a servir de mateiros para o Exército. Vilarejos inteiros foram esvaziados. A maior parte da população de São Domingos do Araguaia foi presa. Estabeleceu-se o toque de recolher e todos os suspeitos de manter contatos com os guerrilheiros foram presos e submetidos a interrogatórios que envolviam torturas físicas e mentais. Não escaparam nem mesmo padres e freiras, participantes ou não da luta. Nesses tempos no Araguaia, qualquer sinal de simpatia por eles era visto como um perigoso ato de contestação ao regime, tão criminoso quanto pegar em armas. As forças de repressão que atuaram no Araguaia, que maltrataram a população civil, torturaram e executaram pessoas desarmadas e indefesas - muitas delas doentes e sem nenhuma capacidade de resistência. No final da década de 1970, e durante toda a década de 80 o sul do Pará tornou-se palco de uma sangrenta luta entre os posseiros pobres e os latifundiários. E até o direito a uma sepultura cristã, em local conhecido, foi negado aos que tombaram em prol de um país melhor. Em 1968 Sérgio fora recrutado pelo movimento clandestino. Idealista ou ingênuo, procurou pontuar um rumo para sua vida, cheia de incertezas e na época marcada por uma profunda decepção amorosa. O resgate da liberdade de expressão e a procura por melhores condições de vida, em um país regido pelos excessos da ditadura militar, passaram a ser seus objetivos mais próximos.

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