quinta-feira, 12 de julho de 2012

POR TRÁS DE GLÓRIA (PARTE 18) FORMOSO 2000

Na pequena Formoso, lugarejo que, palmilhando o futuro, avançava sempre como um caranguejo, retrocedendo a cada passo, o sol brilhava a pino no céu azul, ao pé da serra. O cemitério acanhado mal continha a dezena de pessoas, que devotadamente acompanhavam o sepultamento. Glória, apoiada no braço de Rodolfo, mal prestava atenção às palavras do pároco encarregado do serviço religioso. Era a segunda vez que visitava aquele local. A primeira quatro anos atrás, quando Sérgio morrera, subitamente. Agora lá estava com os amigos, para a última despedida a Leo. Olhando para a copa da velha árvore, cuja sombra se projetava na sepultura aberta na terra avermelhada, relembrava as imagens mais fortes de Leo retidas em seu coração. O amigo que em todas as oportunidades fizera de sua própria vida um instrumento para aliviar o sofrimento alheio. Infelizmente na melhor fase de sua vida convivera muito pouco com o amigo. Separaram-se logo após a festa de fim de ano de 1968. Em seguida tinha iniciado sua vida em Paris, e não soubera mais dele. Nos anos da ditadura tinha se apresentado como o amigo fiel e protetor, amparando Lívia e Sérgio. Mesmo após o reencontro com Sérgio, Leo se mantivera afastado de seus antigos colegas de universidade. Depois vieram os anos de trabalho na Somália. Onde construira uma vida de abnegação, prestando serviços aos que mais necessitavam. Nunca constituira familia. Seu companheiro fiel durante anos tinha sido Sérgio. Este, ao morrer em Campo Grande há quatro anos atrás, deixara recomendações para que fosse enterrado junto a Leo, em Formoso. Porque era o afeto que mais prezara em toda a sua vida. Agora, lado a lado, os amigos finalmente se reuniam pela última vez. Os olhos marejados de Glória repassaram os presentes. Lívia, Tiago e a filha, enfim reunidos, e procurando viver felizes. Infinitamente gratos a Leo. Analucia e Dora, ainda mantendo uma relação estável, mantinham a pousada em Formoso, explorando o ecoturismo. Em silêncio prestavam a última homenagem ao irmão que, apesar da pouca convivência, tinham aprendido a amar cada vez mais., Roodolfo apertava-lhe a mão carinhosamente, transmitindo-lhe conforto e segurança. De todos era quem mais de perto tinha acompanhado a vida de Leo fora do Brasil, principalmente a fase da Somália. Aprendera a respeitar profundamente as convicções do amigo. Também a resgatar a história de seus passos, para construir um exemplo de vida e dedicação. Digno de ser transmitido às futuras gerações. E ela, Glória. Com uma história de vida também tumultuada. Mas com a oportunidade de ter sido beneficiada com uma experiência profissional rica em sentimentos, que lhe permitiram conhecer melhor o comportamento humano. Sua extrema dedicação ao jovem Gerard. O convívio com Armand e Amélie. Sua luta para proporcionar à filha de seu coração uma vida feliz, com dignidade e muito amor. Agora, nos últimos anos, compartilhando sua vida com Rodolfo, que a despertara para o recomeço de novas emoções. E que lhe abrira mais ainda o reconhecimento dos caminhos trilhados por Leo. Este entrara em sua vida como o jovem tímido e introspectivo, de sexualidade mal definida. Que acabara sendo despertada finalmente por ela. E também por ela mesmo sepultada na noite marcante do final do ano de 1968, quando sucumbira desatinada e instintivamente ao descontrole de suas emoções. Com o passar dos anos aprendera a se perdoar. As conseqüências daqueles momentos de irrefletido abandono, subjugada pelo ardor inconseqüente de Sérgio, causaram a separação dos jovens amigos, que passaram a trilhar caminhos diametralmente opostos. O altruísmo de Leo fez com que o fio do destino complacentemente realinhavasse as vidas de todos eles, reunindo-os apesar de todos os desencontros. Mantendo-os amparados pela figura tutelar do amigo, sempre presente nos momentos de maior necessidade. Por trás de Glória, o sol projetava a sombra dos amigos presentes, agora unidos e finalmente felizes. Essa sombra única se prolongava cobrindo suavemente a singela sepultura... Reunindo em uma só imagem, pelo milagre da sombra, mais uma vez, aqueles que aprenderam que os caminhos da vida somente tem sentido se forem percorridos em companhia de quem se ama.-

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