quinta-feira, 12 de julho de 2012

POR TRÁS DE GLÓRIA (PARTE 15) RIO DE JANEIRO 1996

RIO DE JANEIRO – 1996 Glória acordou devagar. Preguiçosamente. A cortina pesada, entreaberta, deixava entrar pela larga janela da cobertura em Ipanema raios de sol,que iuminavam e aqueciam o mar calmo naquela manhã de sábado. Sentia ainda na pele e nos lábios a sensação e o gosto dos beijos de Rodolfo. O tempo passava e cada vez mais curtiam sua vida a dois. Sem o poder da juventude, gostavam muito de sexo. E este os aproximava cada vez mais. E cada dia descobriam mais motivos para definir o gosto da felicidade. Viver juntos depois de tanto tempo de separação era mesmo a realização de um sonho. Ambos tinham trazido para a relação uma bagagem de vida extensa. Experiências fortes. Sonhos não realizados, amargura, desencantos e solidão. Mas também sucesso na vida profissional, respeito e admiração. Cada um mantinha ainda sua vida como médicos, de diferentes especialidades. Ele cuidando dos males do corpo. Ela tratando as dores da alma. Tinha sido um longo caminho desde o encontro inesperado no Deux Magots na distante Paris. Embora naquele momento suas vidas estivessem longe de se reunir, sem dúvida aquele fora um momento mágico. Sentimentos reavivados, em uma fase de melancólico desencanto para ambos, fizeram germinar um afeto latente. Que floresceu em repetidos encontros ao longo dos mses subsequentes, nos quais reaprenderam tudo sobre seus caminhos anteriores. Havia ainda então Amélie. A filha de seu coração. Tão querida e tão necessitada de seus cuidados. A enfermidade agora progredia mais rapidamente. Naqueles meses de angústia, apesar de toda a sua atenção, estava claro que em breve Amelie a deixaria. Ficaria novamente só. Acompanhada das lembranças de uma vida em seu apartamento na Rue Mouffetard. E quando isto realmente aconteceu decidiu voltar para o Brasil. Reiniciar uma nova vida. Rodolfo já havia voltado há mais de um ano. Reencontrara-se com ele no Rio de Janeiro. Com o tempo aprenderam a filtrar sua vidas anteriores, delas tirando tudo que pudesse contribuir positivamente para uma nova vida a dois. E lentamente, no momento em que se sentiram efetivamente livres de suas responsabilidades em relação ao passado, no momento adequado, iniciaram um novo caminho. Sempre há tempo para recomeçar. Vieram-lhe à lembrança outros momentos inesquecíveis vividos em Paris. A chegada de Lívia, vinda do Chile. A alegria do reencontro. As trágicas notícias de tudo quanto acontecera com Leo e Sérgio. De como ambos na desventura tinham se reencontrado, e de como a infinita generosidade de Leo tinha propiciado a Lívia e a Sérgio o reinício de uma vida nova. Segura e com esperança. Exatamente Leo, o que mais havia sido comprometido e até humilhado pelas circunstâncias do passado. Mesmo assim, ressurgira para resgatar os companheiros do sofrimento e da morte. Também inesquecível foi o encontro de Lívia com Tiago e a filha. Após anos de separação, as lágrimas entre sorrisos, prenunciavam um recomeço feliz. Compensando todos os sofrimentos anteriores. Levantou-se e entrou no banheiro da suíte, construído especialmente segundo suas recomendações. O vaso sanitário isolado, dois lavatórios lado a lado no mesmo tampo, o espelho largo e bem iluminado. Toalhas separadas, e artigos de toucador individualizados. O cesto para roupas sujas de vime branco. Pequenos detalhes que auxiliam a construir uma rotina íntima livre de irritações e constrangimentos menores. Sorrindo, lembrou-se subitamente do primeiro casamento. De como Armand era desastradamente distraído e descuidado. Esquecia de levantar a tampa do vaso sanitário e respingos de urina sempre ali ficavam. Levantavam-se ao mesmo tempo, e ele sempre lhe tomava a frente. Usava o lavatório e deixava para ela um espelho respingado e as toalhas já úmidas. De vez em quando até usava a escova de dentes errada. Jamais enxugava a pia após usá-la. O fio dental usado sempre largado na saboneteira. As roupas para lavar amontoadas no chão. Vestindo um robe de seda azul, cor predileta de Rodolfo, achou-o na cozinha preparando um café da manhã especial. Omelete com ervas, torradas aquecidas na manteiga e, em lugar de café, morangos e espumante gelado. Conversaram sobre amenidades e as notícias trazidas pelo jornal da manhã. Já estava tarde e o sol quase a pino desestimulava a habitual caminhada pela beira-mar. Estavam ainda programando o final de semana, quando o telefone tocou.Um chamado de Campo Grande que mudaria completamente aquele estado de espírito.

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